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27-04-2023
De navegadores a piratas digitais
Há pouco tempo, a equipa do legal do .PT esteve presente num colóquio promovido pela Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais (FEVIP), em parceria com a Polícia Judiciária (PJ), que teve lugar na sede da PJ em Lisboa.
Ultrapassados os habituais agradecimentos e abertura do evento por parte do Diretor Nacional da Polícia Judiciaria, Dr. Luís Neves, e já num registo mais sério, houve uma informação que ecoou na sala: os crimes de pirataria digital provocam prejuízos anuais na ordem dos 200 milhões de euros, "estimativas por baixo".
De seguida, ainda atordoados pela onda, é-nos dito que as indústrias culturais têm um peso de cerca de 3% do produto interno bruto (PIB) nacional.
Em jeito de golpe final, mais um dado extraordinário pela negativa, o número avassalador de acessos em solo nacional, precisamente 55 milhões, a sites com conteúdos audiovisuais ilegais. Estima-se ainda que 10% da população portuguesa consuma estes conteúdos, e que a faixa etária dos maiores adeptos desta prática se baliza entre os 16-24 anos de idade, sendo algo expectável, visto esta ser a geração mais digitalizada.
Estes números deixam qualquer um atónito, são números de porte a respeitar, mas quando associados a um ilícito criminal este valor é potenciado na nossa mente, pelo menos na minha ecoou de tal maneira que me levou a ter uma atitude que tipicamente não é padrão num jurista, fazer contas (pasmem-se!).
Ora, segundo os últimos dados do Pordata, Portugal tem 10.407.707 de habitantes, se temos 55 milhões de acessos a sites com conteúdos audiovisuais ilegais por ano, temos quase 5 vezes mais ilícitos criminais do que habitantes no nosso país, e ainda, se 10% da população portuguesa (sensivelmente) consome este tipo de conteúdos, falamos de perto de 1.5 milhões que incorrem neste ilícito.
Outro exercício que fiz foi o seguinte, o setor das indústrias culturais representa 3% do PIB, para haver termo de comparação o maior investimento estrangeiro da história nacional, a Autoeuropa, representou 1.5% do PIB nacional em 2022, exatamente metade do setor das indústrias culturais. O que tem uma coisa a ver com a outra? Perguntam bem…
Passo a explicar, arrisco-me a dizer que nenhum dos leitores que vai passar os olhos neste artigo já furtou algum veículo automóvel, no entanto, não me arrisco a dizer o mesmo quanto ao acesso de sites com conteúdos audiovisuais ilegais, é este o problema endémico e social.
A utilização destes sites é tida como banal e corriqueira, eu entre amigos nunca ouvi nenhum dizer "caramba…não tenho carro para ir ver o jogo de futebol, vamos roubar um!”, mas já ouvi diversas vezes "logo vemos o jogo lá em casa! é só ligar o computador na televisão e está feito!”. No primeiro exemplo, (salvo alguns meliantes), a atitude social seria a de dissuadir o intento ilícito que ali está a florescer, por seu turno, no segundo caso, na sua grande maioria (salvo algum bom samaritano), seria a de aceitar a proposta e passar o serão a cometer um ilícito criminal sem sequer se ter bem a noção disso.
Esta completa falta de noção ocorre por um motivo, falta de educação digital. A geração Z é a geração que não sabe o que é pagar por conteúdos digitais, sempre acedeu gratuitamente e para eles é normalíssimo assim ser, é o mundo em que cresceram, o anormal será pagar para aceder a um serviço digital. Cabe a nós, mais maduros (velhos são os trapos) educar as gerações vindouras, e quanto maior for o investimento na educação, menor será o investimento no sistema de justiça. A ótica a adotar será a de prevenção e não de correção, por cada jovem que se sancione judicialmente, poderá entender-se que falhou o processo de sensibilização e consciencialização da sociedade em geral.
Pegando no exemplo do furto de um carro vs a visualização ilegal de um jogo de futebol, quantos de nós conhece um ladrão de automóveis? Exato…nenhum. E piratas que acedem ilegalmente a conteúdos audiovisuais? Pois… A ideia a reter deve ser a de que não é por não visar um bem tangível ou se tratar de grandes organizações que é menos criminoso, ou pelo facto de ser um crime sem vítimas como se afirma comumente o que nem sequer é verdade, há milhares de pessoas que vivem da produção audiovisual, esta assimilação de princípio vem da base, vem da educação digital.
Gostava que este artigo tivesse um tom mais leve, mas é impossível aligeirar algo que coloca em risco empregos, oblitera investimentos e impacta muito a subsistência de milhares de famílias. Se em tempos éramos reconhecidos como destemidos navegadores, hoje não queremos certamente ser vistos e reconhecidos como piratas de olhos vendados para a lei.
Estamos conectados!
Nota: os artigos deste blog não vinculam a opinião do .PT, mas sim do seu autor.
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