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07-12-2020
Como será a INTERNET do futuro?
Há uns anos atrás, numa conferência sobre a Internet, ouvi o relato de um juiz europeu sobre um caso de pornografia infantil que tinha julgado e que me deixou a pensar sobre a interação entre a justiça e a Internet.
O referido juiz tinha em mãos o caso de uma família contra um ISP (Internet Service Provider) que alojava fotografias de cariz pornográfico de uma das crianças da família, sendo que a decisão óbvia do juiz foi a da remoção deste conteúdo. No entanto, para cumprir esta sentença, o tribunal precisava de contactar as autoridades competentes do país de origem do ISP e tratar de todas as formalidades por estas exigidas, para que finalmente e formalmente procedessem à remoção do conteúdo ilegal.
Ora, tal como descreveu o juiz, este processo era demasiado moroso, complexo e ineficiente, pelo que, por forma a contornar estas circunstâncias, optou por aplicar uma medida de controlo local e ordenou aos ISP’s locais o bloqueio no DNS (Domain Name System) do nome de domínio visado. Terminando de descrever o sucedido, o próprio juiz afirmou perceber que a medida que tinha tomado não era a mais eficaz e que facilmente poderia ser contornada, deste modo, apelava à comunidade da Internet que pensasse numa forma de resolver este tipo de dilemas definitivamente.
Este caso é um exemplo de muitas decisões de bloqueio de nomes de domínio que têm sido tomadas, um pouco por todo o mundo, por tribunais de Direito ou por governos nacionais com o intuito de proibir o acesso a certos conteúdos disponibilizados online. No entanto, este tipo de medida é facilmente contornável por qualquer pessoa que saiba usar o Google!
E porque razão assim é? A Internet foi criada como um mecanismo de comunicação end-to-end, por meio do qual todos aqueles que estivessem ligados à rede, através de um determinado dispositivo, conseguiam comunicar entre si. A título de exemplo, num IP (Internet Protocol) público, em ligação do tipo TCP, existem 65.535 portas diferentes que podem funcionar como pontos de ligação entre utilizadores e entre estes e um determinado conteúdo online. Ora, se considerarmos o carácter global da Internet e as inúmeras ligações que a rede permite a um determinado conteúdo, facilmente percebemos que a medida de bloqueio de nomes de domínio que tem vindo a ser adotada revela-se pouco eficaz.
Falemos do caso das VPN’s (Virtual Private Networks) que proliferam pelo mundo cibernético e começaram por ser sistemas meramente empresariais que permitiam o acesso à rede privada da empresa, pelos colaboradores autorizados, independentemente da sua localização. Hoje, porém, face ao facto de possibilitarem a alteração da localização virtual de um utilizador, as VPN’s deixaram de estar limitadas a uma utilização estritamente empresarial para permitirem o acesso anónimo a conteúdos que não estão disponíveis num certo país, seja por exemplo séries da Netflix ou o acesso a pornografia infantil.
Existe, no entanto, um caso de sucesso no controlo eficaz de conteúdos online: the Great Firewall of China. Este sistema está implantado nos pontos de troca de tráfego com o estrageiro e tem controlado de forma eficaz todo o fluxo de informação de acordo com as regras nacionais, no entanto, confere total controlo ao Estado sobre o que se passa e pode ser visto na rede do país, comprometendo o princípio basilar da unicidade da Internet.
Contribui, ainda, para a fragmentação da Internet o facto de, como tem vindo a ser inúmeras vezes noticiado, grandes plataformas ameaçarem abandonar ou limitar o acesso a determinados conteúdos online na sequência de decisões judiciais ou de leis que têm vindo a ser aprovadas em alguns países.
Todas estas situações contribuem exatamente para o contrário daquilo que era o ideal da Internet, participando cada vez mais na fragmentação da rede e na criação de "mini-internets”, tornando cada vez mais frágil a coexistência entre uma rede global e a aplicação de leis locais e originando sérias dúvidas sobre como será a Internet do futuro: um conjunto de "mini-internets” que se interligam em alguns pontos ou um sistema global unificado?
Nota: os artigos deste blog não vinculam a opinião do .PT, mas sim do seu autor.
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